Ao analisar as duas leis, a engenheira agrônoma e autora da pesquisa, Morgane Isabelle Hélène Retière, avaliou que lei brasileira é mais avançada que a francesa, por trazer orientações mais claras e objetivas sobre a aquisição de produtos locais e orgânicos.
No Brasil, a Lei 11.947, que diz respeito ao programa de alimentação escolar, impõe, por exemplo, que no mínimo 30% dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), ligado ao Ministério da Educação, sejam destinados à compra direta da agricultura familiar.
Já na França, a Lei Grenelle 1 é mais genérica e sugere que no mínimo 20% das aquisições nas escolas sejam feitas de produtos orgânicos, bem como daqueles com baixo impacto ambiental, mas não especifica de que sistemas tais produtos provêm. Na lei francesa, a pesquisadora verificou também que a vinculação entre a alimentação escolar e a política alimentar governamental não aparece de forma tão clara quanto na lei brasileira.
Os textos da política alimentar francesa, ao contrário da lei brasileira, não recomendam explicitamente a redução do consumo de alimentos industrializados, embora se reconheça que os produtos possam conter teores excessivos de açúcar, sal e gordura.
Outra ressalva positiva feita pela pesquisadora em relação à lei brasileira foi a dispensa de licitação pública para a compra de alimentos da agricultura familiar, um processo que, em geral, é burocrático e demorado, tendo como um dos critérios o menor preço. Pela Lei 11.947, a aquisição dos alimentos pode ser realizada por chamada pública, procedimento administrativo mais rápido, utilizado para firmar parcerias com organizações da sociedade civil, como ONGs. “Na hora da aquisição dos produtos, ficam em primeiro plano outros critérios que não o preço, como a origem geográfica, a produção ecológica e a inclusão social”, diz.
Sobre a trajetória das duas leis, Morgane Retière diz que a brasileira teve origem em movimentos de combate à fome e à desigualdade social, no início nos anos de 1940, foi intensificada após a redemocratização do País e ganhou apoio institucional durante o governo do Partido dos Trabalhadores, em 2003.
Já a lei francesa foi criada a partir do controle de segurança sanitária dos alimentos, principalmente os de origem animal e, a partir dos anos 2000, passou a ter enfoque também no combate à má alimentação do ponto de vista nutricional, que culminou no aumento da obesidade populacional gerada pelo consumo de alimentos industrializados.
Sistema agroindustrial renovado
Por fim, a engenheira agrônoma analisou a implementações destas leis em nível local. Ela observou que, apesar dos objetivos ambiciosos das leis favoráveis aos sistemas alternativos, as escolas de ambas as regiões (São Paulo e Paris) também recorreram a uma modalidade chamada “sistema agroindustrial renovado”, que são os atacadistas e a grandes cooperativas que funcionavam dentro do modelo do sistema agroindustrial vigente.
A pesquisadora explica que pelo sistema agroindustrial renovado, apenas uma dimensão alternativa dos SAA é considerada. No caso da França, foi a aquisição de produtos orgânicos, porém, não local; e no Brasil, a compra da agricultura familiar, porém não local. “Esta predominância de lógicas agroindustriais renovadas pode ser explicada pelas características das grandes cidades onde as áreas de produção estão localizadas a uma distância geográfica significativa, enquanto que o setor de alimentação escolar está afastado do mundo agrícola”, diz. “No entanto, muitas estruturas situadas no coração da metrópole poderiam compensar a distância geográfica criando cargos de agentes públicos dedicados especificamente à implementação de sistemas territorializados”, avalia.
“Nichos verdes”: por que fazer transição agroecológica?
O Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC-2019) aponta que as atividades agropecuárias e industriais estão entre as principais causas de mudanças climáticas. De acordo com o relatório, se a dinâmica agroindustrial se mantiver no patamar nos próximos anos – promovendo desmatamento, usando indiscriminadamente fertilizantes e agrotóxicos e promovendo monoculturas -, é altamente provável que a insegurança alimentar no mundo se amplifique.
Morgane Retière explica que as políticas públicas (baixos impostos, subsídios, normas específicas) bem estruturadas são essenciais para o desenvolvimento dos “nichos verdes”. “E é nesse contexto que os mercados institucionais como escolas, creches, hospitais, restaurantes populares, sacolão e lar de idosos se tornam alavanca para o desenvolvimento de sistemas agrícolas alternativos, porque apresentam vantagens para os agricultores familiares no que diz respeito à negociação de volumes maiores de produtos, na obtenção de melhores preços e menos tempo nos circuitos curtos entre o produtor e o consumidor”, diz.

Para Paulo Eduardo Moruzzi Marques, um dos orientadores da pesquisa e professor da Esalq, o trabalho de Morgane Retière é rico e muito consistente, além de permitir a renovação de parcerias internacionais como aquela do Programa de Pós-Graduação Interunidades (Cena-Esalq) em Ecologia Aplicada com a Université Paris 8, Vincennes-Saint Denis. Ele considera o percurso acadêmico de Morgane exemplar e isso pode ser confirmado pela atribuição à sua tese do Prêmio Tese USP Destaque, 2023, na categoria Grande Área Interdisciplinar, que premiou trabalhos originais e relevantes para o desenvolvimento científico, tecnológico, cultural e social.
Logo após a defesa da tese, Morgane se tornou professora da Université Paris 10 Nanterre, passando a atuar no Laboratoire Mosaïques, unidade de investigação reconhecida pelo Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS).
Fonte: Jornal USP
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