Projeto quer orgânico também fora do nicho
A vida de Marcelo Fukunaga mudou radicalmente quando sua filha nasceu. Além de viver a emoção de se tornar pai, ele também percebeu que como agricultor, não tinha coragem de alimentá-la com os produtos que cultivava em sua propriedade, de tanto agrotóxico que aplicava. Foi aí que ele tomou coragem e decidiu migrar para uma produção orgânica nos seus 10 hectares de terra no Vale do Ribeira, no sul do Estado de São Paulo.
Mas nem todos os pequenos produtores têm motivação para uma mudança como essa. E, por mais que alguns queiram reduzir a dependência de químicos, eles encontram uma penca de desafios.
Para destravar esse mercado, o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGVces) elaborou um estudo com recomendações para os setores público e privado incentivarem a transição de pequenos produtores. A iniciativa teve apoio do Carrefour Brasil e da Fundação Carrefour e colaboração de 50 organizações e de mais de 70 pessoas, inclusive de Fukunaga.
Engana-se quem acredita que a dificuldade para os orgânicos é a baixa produtividade. “Antes eu estava sempre devendo para as indústrias de veneno e de adubo. Hoje, produzo sem dívidas, e a receita fica toda comigo”, disse o produtor. Em 2010, quando mudou sua produção, Fukunaga reduziu sua área produtiva de 10 para 4 hectares, e sua receita líquida dobrou.
Os orgânicos saídos das lavouras podem ser tão competitivos quanto os alimentos convencionais. A diferença está nos custos depois da porteira, de logística e certificação. “O orgânico pode ser acessível se tem produção próxima de onde se consome”, indica Taís Brandão, pesquisadora do FGVces e gestora do projeto.
Segundo o FGVces, é possível desatar o nó com um tripé formado por assistência técnica e extensão rural de práticas orgânicas, fomento a mercados adequados à agricultura familiar orgânica e políticas públicas dedicadas. O centro defende que as diretrizes também devem mirar produtores “em transição”, que ainda não se encaixam puramente como orgânicos.
Já há algumas iniciativas, como a do Governo de São Paulo, que aprovou em fevereiro o Protocolo de Transição Agroecológica, voltada a uma transição “gradual”. “Tem quem não use agrotóxico, mas ser orgânico não é só isso”, disse Araci Kamiyama, líder do grupo de orgânicos da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CATI). Segundo ela, o maior desafio está no apoio técnico.
Sobre o pé de acesso a mercados, o estudo diz que o varejo precisa estabelecer contratos com esses fornecedores que prevejam compartilhamento de perdas e dos custos de certificação, garantia de compra, prazos reduzidos de pagamento, vendas não-consignadas e flexibilidade na oferta, que respeite a época de cada alimento.
As cooperativas podem ter um papel crucial, afirma o estudo. Foi o que tornou possível uma transição rápida a Fukunaga, que participa da Cooperativa Agrícola Familiar de Seta Barras (Coopafasb). “Não fosse a cooperativa, eu não teria acesso a mercados como hoje”, disse. A Coopafasb organiza cestas de alimentos vendidas diretamente a consumidores.
O terceiro pé indicado pelo FGVces é o do apoio governamental. Segundo Brandão, além da necessidade de linhas de crédito para sistemas em transição, é preciso que os funcionários dos bancos tenham orientação para oferecê-las. “Às vezes o produtor quer essas linhas, mas o gerente não as conhece ou não tem incentivo para ofertá-las”, disse Taís Brandão, “e direciona o agricultor para uma linha padrão, que prevê uso intensivo de insumos externos”.
Em São Paulo, uma linha do Fundo de Expansão do Agronegócio Paulista (FEAP) oferece até R$ 500.000,00 de crédito para cada agricultor que queira migrar para sistemas orgânicos, mas há ociosidade. “Não sei por quê. Alguns produtores são muito pequenos e ou não têm planejamento, mas alguns têm capacidade”, disse Kamiyama, da CATI.
O estudo também defende compras públicas de alimentos orgânicos e de sistemas em transição. Há ainda o pé da ciência. “Quando se fala de modelo agroecológico orgânico, não tem insumo nem pesquisa suficiente, e a base genética parte da agricultura convencional”, disse Kamiyama.
Os produtores que hoje estão em busca da transição de suas lavouras acabam aprendendo na prática, como foi para Fukunaka. “No modelo anterior, eu não tinha tempo para minha família porque sempre precisava aumentar a escala. Mas tem várias técnicas que fazem você produzir mais alimento e de maneira mais diversa. Hoje eu trabalho mais tranquilo e consegui ver meus filhos crescerem”.
Fonte: Valor
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