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Um dos cafés mais caros do mundo vem dos excrementos de uma ave brasileira

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Rio, 21 de junho de 2023.

Um café feito com os grãos encontrados nas fezes de um pássaro que na Europa é vendido pelo preço do ouro. É o peculiar tesouro que uma fazenda brasileira administra há anos, graças ao aparecimento surpresa de uma ave semelhante a um faisão. Ninguém poderia adivinhar, mas o jacuaçu ou peru preto, com sua discreta plumagem preta e seus gritos poderosos, tem um aparelho digestivo maravilhoso. A borra de café que deixa nas fezes é como pepitas de ouro. O primeiro a se surpreender foi o proprietário da Fazenda Camocim, Henrique Sloper, que dirigia uma fazenda de café da família ao ver surgir o que definiu na época como “uma praga”. Ele não sabia que logo o animal se tornaria seu melhor aliado, um parceiro de negócios preferencial.

“Foi muito assustador. É um pássaro grande que faz barulho, quebra os galhos. Eram muitos, então ligamos para os órgãos de proteção ambiental, mas eles não sabiam o que fazer. Eles sugeriram que introduzíssemos um predador. O que íamos colocar? Uma onça? Uma águia? No fim deixaram-me lá com os pássaros”, recorda Sloper agora divertido numa conversa telefónica. Sua propriedade está espalhada por uma dezena de vales da verdejante Serra do Espírito Santo, no sudeste do Brasil, ao lado de um parque natural. Se esse estado fosse um país, seria o quarto maior produtor de café do mundo. Mas entre as milhares de plantações de café, esta é diferente. É o único que tem um pássaro como elemento principal. Passado o susto da invasão alada, Sloper relembrou uma viagem à Indonésia, onde conheceu o exclusivo café Kopi Luwak, feito de excrementos da civeta, pequeno mamífero noturno. Ele decidiu tentar a sorte e replicar a invenção. A princípio, convencer os trabalhadores da fazenda de que eles deveriam colher cocô foi um desafio, mas, superados os preconceitos e depois de dois anos de tentativa e erro, chegaram à fórmula.

No caminho, descobriram várias coisas, como que o trânsito pelo aparelho digestivo do animal faz com que esses grãos de café não precisem de fermentação, ou que o processo elimine quase toda a cafeína. Os grãos saem perfeitamente inteiros nas fezes. Também é decisivo o bom gosto da ave, que só come os grãos de café maduros. Para que o café seja considerado especial nos certificados de venda, o fruto tem que ser colhido maduro, então a alimentação do jacu é garantia de que o café será de alta qualidade. Após a colheita particular de excrementos, os grãos são secos, limpos e congelados entre dois e três meses, estando prontos para iniciar o processo quando houver pedido. É um café tão especial que só é produzido sob encomenda. O sabor é frutado e mais ácido do que em outras variedades.

A produção do café jacu começou há mais de uma década e rapidamente se tornou uma das mais caras do mundo. É vendido na exclusiva loja de departamentos Harrods, em Londres, a 1.400 libras o quilo (1.700 dólares, 1.600 euros). França e Japão, mercados onde há muito interesse por produtos exóticos, também estão entre os países que mais importam, diz Sloper. O interesse não só tem a ver com a excentricidade de saborear um café que sai das fezes de um pássaro, mas também com toda a filosofia que esta fazenda contempla.

Antes do jacu aparecer, esse cafezal já optava pela agricultura orgânica (adeus agrotóxicos) e pelo sistema agroflorestal, uma alternativa sustentável de manejo de florestas tropicais que promove a convivência com a vegetação nativa. Aqui não há plantações de monoculturas infinitas; os pés de café se misturam com outras árvores e arbustos. Você encontra bananas, pitangas, jabuticabas e frutas vermelhas de todos os tipos, com as quais são feitas saborosas geleias. A biodiversidade equilibrada do ambiente ajuda a prevenir o aparecimento de fungos e cria um substrato de serapilheira que faz o café crescer com mais vigor. Se a produção média de café por hectare no Brasil gira em torno de 26 a 28 sacas, nesse tipo de lavoura podem ser colhidas 35 sacas, diz Sloper, que se tornou um fervoroso defensor do sistema. “Antes você era agrônomo e te ensinaram a colocar veneno na terra. Mas não tem volta, agora o mercado exige outra coisa, as pessoas não querem comer coisas com glifosato e todas essas coisas que a gente vem lançando há tanto tempo. É uma pressão do próprio consumidor”, resume.

Embora ainda predominem no Brasil enormes latifúndios de monoculturas dedicadas à exportação de commodities, a agrofloresta vem ganhando espaço gradativamente. A Aliança pela Restauração da Amazônia, por exemplo, identificou mais de 1.600 iniciativas desse tipo somente na região amazônica. O cultivo em sistema agroflorestal também serve como barragem de contenção diante de eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes. Secas, inundações ou geadas são mais suportáveis ​​com todo um grupo de flora e fauna protegendo-se mutuamente. Nesse habitat que se apropriou, o jacu, além da colheita do café, também tem outras funções, diz o orgulhoso proprietário: “Ele refloresta a mata, porque é um grande disseminador de sementes. Tem café crescendo no meio da mata”, conta, lembrando que a convivência com a ave é muito respeitosa. É sempre mantido livre (ao contrário do que acontece com o civeta indonésio, cada vez mais questionado por manter os animais enjaulados) e onde se encontram os seus ninhos é controlado para não os danificar durante a colheita de outras variedades de café que são também produzido nesta fazenda. O que começou com um tremendo susto transformou-se numa aliança entre o homem e a natureza que parece ter um futuro promissor pela frente. “Não é um pássaro que come e vai embora. Fica aqui. Já são várias as gerações que nasceram nestas terras”, diz Sloper.

Fonte: El País

Clique na imagem abaixo e confira na íntegra o Guia do Consumidor Orgânico da Sociedade Nacional de Agricultura:

Clique na imagem abaixo e confira na íntegra o Guia do Produtor Orgânico da Sociedade Nacional de Agricultura:

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