Consumidor de Orgânicos

Presidente da Organics Brasil discute as tendências mundiais para o mercado de orgânicos

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Rio, 20 de junho de 2016.

“Popularização dos orgânicos passa por uma questão educacional”

Com crescimento cada vez mais acelerado, o mercado de orgânicos, estimado em US$ 80 bilhões, deixou de ser apenas uma promessa para se tornar um interessante setor para investidores e empresas. No Brasil, apesar da crise econômica, o segmento deve crescer por volta de 30% em 2016.

 

Apesar da perspectiva otimista, alguns entraves políticos e de mercado colocam dúvidas sobre até onde tal avanço pode chegar. Em entrevista exclusiva à Globo Rural, o presidente da Organics Brasil, Ming Liu, comenta os principais entraves para os orgânicos, e ainda faz uma análise das principais tendências relacionadas ao setor.

Globo Rural: Qual a perspectiva de crescimento do mercado de orgânicos, no Brasil e no mundo, a curto e longo prazo?

Ming Liu: O Brasil tem uma perspectiva de crescer a taxas maiores do que outros países em função da nossa recente regulamentação, finalizada em 2011, onde tivemos o estabelecimento do selo nacional de orgânicos. Em outros países podemos perceber que os investimentos ao setor só começaram a surgir quando houve esse mesmo processo, como no Bloco Europeu, em 2005, Estados Unidos, em 2001, e Ásia e Japão, em 2006. A partir do momento em que o mercado tem regras, o dinheiro entra. Enquanto há uma situação de indefinição, nenhuma indústria, nenhuma multinacional faz investimentos pesados.

Hoje a saúde se tornou tendência mundial do mercado de alimentação. Grandes empresas, como Coca-Cola, Danone e Nestlé, têm procurado desenvolver segmentos de produtos cada vez mais saudáveis. E dentro dessa linha estão alimentos orgânicos, naturais, funcionais, sem lactose, e até mesmo sem glúten.

O consumidor que busca os orgânicos está à procura de um produto com rastreabilidade. E essa é uma característica que agrega valor. A cultura dos orgânicos deixou de ser parte apenas de um nicho, e está se espalhando também para um amplo grupo de pessoas preocupadas com valores alinhados à saúde, ao meio ambiente e a um estilo de vida mais natural e menos industrializado. E é com esse consumidor “comum” que o mercado cresce.

Globo Rural: Onde temos exemplos desse movimento de popularização dos orgânicos?

Ming Liu: Os Estados Unidos são um caso interessante que hoje movimenta US$ 40 bilhões, ou cerca de 50% do mercado mundial de orgânicos. Algumas pesquisas mostram que de cada dez americanos, oito já consumiram orgânicos. E isso é de um impacto enorme se levarmos em conta uma população de 300 milhões de habitantes que vivem em uma economia forte e consumista.

É interessante notar que a mudança no estilo de vida do consumidor também alavanca outros setores além dos orgânicos. Essa pessoa não apenas vai se alimentar melhor, mas também, por exemplo, comprar produtos químicos que não afetem a natureza, móveis com madeira legalmente rastreada ou roupas de empresas preocupadas com direitos trabalhistas.

Globo Rural: O consumidor “comum” está disposto a gastar quanto com os orgânicos?

Ming Liu: Ainda não existem dados no Brasil sobre o consumo per capita de orgânicos. Entretanto, sabemos que esse consumidor está na verdade interessado em comprar saúde. Ele vai ao mercado em busca de bem-estar, pesquisa na internet por mais informações do seu alimento e procura dicas com nutricionistas e amigos. Essa mudança global de estilo de vida faz com que, na ponta da cadeia, as pessoas pensem em consumir produtos menos industrializados, caindo, portanto, nos orgânicos.

Esse consumidor tem instigado as grandes indústrias a entrarem no mercado de produtos saudáveis. Se a Coca-Cola, por exemplo, produzia antes apenas refrigerantes, hoje ela está mais preocupada em se diversificar, vendendo sucos, águas e chás. A última tendência dessas empresas é substituir os bebidas de néctar, com apenas 30% de suco, para opções integrais.

Voltando para a questão do consumo per capita, no Brasil certamente esse valor é de centavos, pois ainda temos uma parcela pequena de consumidores esclarecidos sobre os orgânicos. A imagem desses produtos continua erradamente associada a algo restrito para a classe A, quando já existem formas de encontrar opções com preços menores, como nas pequenas feiras de bairro ou nas épocas de sazonalidade do produto.

Globo Rural: O que falta para uma maior parcela da população, como as classes C e D, ter acesso a mais informações sobre os orgânicos?

Ming Liu: A popularização dos orgânicos passa por uma questão educacional. O Ministério da Agricultura adotou neste ano a Campanha dos Orgânicos, que tem como objetivo educar o consumidor. E esta é uma medida muito importante. A população ainda não tem algumas informações fundamentais sobre os orgânicos, como, por exemplo, a questão da sazonalidade dos produtos.

O consumo de orgânicos atinge todas as classes sociais, mas claro que não podemos deixar de destacar a questão do preço, que ainda é um entrave para popularizar o consumo, principalmente quanto a produtos artesanais, como queijos e geléias, que sempre sairão mais caros do que os industrializados por conta do processo de fabricação e do menor volume de escala produtiva.

Isso, no entanto, talvez mude de figura em curto prazo por conta da entrada das grandes indústrias no setor. Mas cabe às marcas tomar cuidado para transmitir ao consumidor uma imagem positiva e o sentimento de honestidade. Por conta dessa desconfiança, empresas como a Pepsico, que é dona de um grande segmento de orgânicos nos Estados Unidos, ainda evitam divulgar tal fato. Podemos dizer que nos últimos anos gigantes do setor alimentício vivem um momento onde querem mudar seu comportamento em prol de práticas sustentáveis, mas esbarram nesse ceticismo do consumidor.

Globo Rural: Com a entrada dessas grandes empresas no setor de orgânicos, como fica o pequeno produtor? Ele corre o risco de ser “engolido”?

Ming Liu: Com certeza. Essa é uma etapa do desenvolvimento que ainda não sabemos onde vai chegar. Vou pegar novamente o exemplo do que está acontecendo nos Estados Unidos. Todos os empreendimentos que foram lançados nos últimos cinco anos sofreram de alguma forma com o processo de fusão e aquisição por grandes marcas.

Os produtos primários, como verduras, frutas e legumes, sofrerão menos com esse processo. As grandes empresas estão preparadas apenas para dominar a cadeia dos industrializados. Para funcionar com eficiência, elas precisam concentrar sua produção em poucos lugares e produzir em volume. E isso é impossível na agricultura. Fica mais fácil produzir milhões de produtos e uma só local, do que milhares de unidades em milhares de hectares.

Com os industrializados dificilmente essa dinâmica não vai existir. Mas se levarmos em conta a atual cultura das startups, a venda está inserida no DNA da empresa. Quase todo empreendedor pressupõe lançar algo inovador que após conquistar o mercado será vendido. Isso é agressivo para o mercado de orgânicos? Se levarmos em conta o setor primário, sim. Para indústria e processamento a venda faz parte da estratégia.

Globo Rural: A falta de mais investimentos externos nos orgânicos brasileiros é reflexo dos ainda poucos acordos de equivalência com outros países?

Ming Liu: Precisamos nos perguntar por que queremos trazer investidores para o Brasil. Não devemos querer capital externo apenas para levar nossa riqueza para fora, mas sim para fomentar o mercado nacional.

Creio que nosso projeto, quando trabalhamos com exportação, deve ser para incentivar as empresas a descartarem a exportação como via exclusiva, visto que o mercado internacional sempre está sujeito a diferentes tipos de intempéries, como câmbio e situação política. A exportação também é uma maneira de mostrar ao mundo nossa identidade. Da mesma forma, as empresas têm de pensar no exterior, pois o Brasil também é suscetível a problemas internos.

Dessa maneira, o ideal para trazer investidores, e aí tocamos no tema dos acordos de equivalência, em parte é incentivar essa diversificação dos negócios, tanto internos quanto externos. Há, por exemplo, a questão de importar produtos demandados pelos consumidores, mas ainda sem cadeia produtiva para fornecer no Brasil, como as carnes orgânicas. Isso vai acabar mostrando aos produtores o que falta no mercado interno e incentivá-los a buscar conhecimento para iniciar a produção. Obviamente que, enquanto não houver equivalência, este é um movimento impossível de acontecer.

Globo Rural: Quais os acertos e erros das políticas públicas de orgânicos no Brasil?

Ming Liu: Fizemos um acerto muito grande com os planos de aquisição de alimentos orgânicos para as escolas públicas. Esta é uma política principalmente de inserção de pequenos produtores regionais, pois facilita o comércio ao permitir que os agricultores abasteçam o entorno sem a necessidade de passar por processos burocráticos, como editais. Poucos países hoje têm algo formatado desta maneira como o Brasil.

Ainda erramos na questão da isenção e redução fiscal, que praticamente não existem. As empresas e indústrias de orgânicos começaram a se organizar apenas muito recentemente, e ainda não conseguiram mostrar para o governo sua importância para a redução nacional dos gastos governamentais com o meio ambiente. Aos poucos está surgindo uma sinergia entre os produtores de orgânicos para alcançar mais conquistas.

Globo Rural: Quais são os novos desafios mundiais para os orgânicos?

Ming Liu: Os diferentes critérios de certificação sem dúvida são hoje os maiores desafios mundiais para os orgânicos, ainda que as nações venham desde 2001 se regulamentando e buscando diálogo.

Contudo, os países são muito diferentes entre si. Vejamos por exemplo alguns lugares dentro do próprio Brasil onde há formas produtivas muito diversas se compararmos com as da Europa. Não são raros os casos onde o pequeno produtor não consegue vender o orgânico para a indústria com nota fiscal. Os países de terceiro mundo estão hoje fora do mercado porque os de primeiro mundo não têm formas de reconhecer a questão do processo e da certificação social. E, como conseqüência, os acordos de equivalência travam.

Nós não podemos mudar as características culturais do pequeno produtor para os padrões europeus. Existem comunidades que trocam sua produção por sacos de comida. Impossível obrigá-las a adotar hábitos burocráticos.

Tudo isso faz parte do desafio de reconhecimento global dos Sistemas Participativos de Garantia, que são as certificações sociais. Precisamos pregar a consciência de que não adianta pensarmos no sustentável e no ecológico se os negócios passam por cima do social.

Fonte: Globo Rural – Gabriel Lellis com Vinicius Galera

Clique na imagem abaixo e confira na íntegra o Guia do Consumidor Orgânico da Sociedade Nacional de Agricultura:

Clique na imagem abaixo e confira na íntegra o Guia do Produtor Orgânico da Sociedade Nacional de Agricultura:

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